sexta-feira, 12 de maio de 2017

13 de Maio 2002 - O dia em que o Grande Mestre Morihiro Saito nos deixou


Foi a 13 de Maio que Morihiro Saito nos deixou, depois de largos meses de doença. Morreu de cancro dos ossos, que o imobilizou nos últimos seis meses de vida.

Menciono a razão da sua morte porque, apesar de tudo, sempre se manteve com muito bom humor, animando todos à sua volta.

Por causa dum problema familiar, eu já estava de volta a Portugal, depois de mais de um ano com uchideshi em Iwama. Recebi a notícia que Sensei tinha entrado no hospital diagnosticado com cancro.
Meti-me num avião e voltei a Iwama. Estavam vários uchideshi entre os quais um grande amigo de longa data e um praticante muito próximo de Sensei e de toda a família Saito, o Simon Harris.
Os dois fomos com a família visitar Sensei e mais tarde os dois ajudámos a trazer sensei de volta para casa.

Sensei não parou. Apesar de limitado, continuava a querer percorrer a quinta de O’Sensei, guiando os uchideshi nos seus trabalhos diários.
Na fila de trás: Ariel Perez, Simon Harris, Tristão da Cunha, Cecilia D’Aquino,
Rie Kajiwara, Kubota-san.
Na fila da frente, Mehmet Dougu, Daniel Brasse, Michael Fields, Manuel.

Depois do treino matinal, agora dirigido pelo seu filho e presente Soke, Hitohiro Saito Sensei, Morihiro Sensei chamava-nos para o colocarmos na cadeira de rodas. Embora fosse campo e o caminho feito de brita, Sensei rapidamente pensou num sistema de colocação de tábuas ao longo do caminho, que se iam colocando na direção em que ele queria ir. Uma pessoa guiava a cadeira e outras duas, tiravam as tábuas por onde a cadeira tinha passado e colocavam-nas à frente, de acordo com as direções de Sensei.

Todos os dias, depois de ajudar a banhar Sensei, juntamente com a uchideshi Rie Kajiwara, a uchideshi que mais tempo ficou no Japão como uchideshi de Morihiro Saito Sensei, Sensei dava-nos vários trabalhos interessantes e depois, como era seu costume, convidava-nos a comer e tomar algo, desta vez, não no Shin dojo mas em sua casa, com Okusama a ajudar, aos pés da sua cama.


Estava nesta altura como uchideshi o Dr. Jordan Kramer, dos Estados Unidos, que era um uchideshi regular em Iwama. Quando ia, verificava sempre o estado de saúde de Sensei. Desta vez, falei com ele e disse-lhe para averiguar quanto tempo Sensei teria de vida. Depois da consulta, o Dr. Jordarn disse que Sensei não deveria ter mais de 6 meses de vida, o que provou estar certo.

Falei então com Hitohira Sensei e disse-lhe o resultado da consulta do Dr. Jordan. Perguntei-lhe se deveríamos avisar os alunos de Morhiro Sensei. Depois de pensar um pouco, Hitohira Sensei disse que eu me encarregasse dos alunos estrangeiros e ele falaria com os alunos japoneses.
Assim fiz. Pedi a todos os uchideshi presentes que ligassem a cada um dos seus professores e que avisassem sobre a condição final de Morihiro Saito Sensei. Telefonei para outros mestres da Europa e de outros países não europeus.

Assim, durante uns meses, vários mestres de renome vieram a Iwama despedir-se de Sensei. Vieram de todo o Japão e de todo o mundo. O presente Doshu do Aikikai, Moriteru Ueshiba, também veio. Depois duma meia hora, saiu rapidamente, a chorar, na direção do seu carro que aguardava, com o chofer.

Foi muito interessante ver o que Sensei dizia a cada um dos seus alunos. Eu ajudava a servir o chá, e ia ouvindo as conversas. A uns dizia, ajuda o Doshu Moriteru, a outros ajuda o meu filho. Ia percebendo assim que estava a escolher o trigo do joio.

Aos que estavam contra o seu filho ou a impedir o desenvolvimento do Iwama Ryu como estilo que protegia o aikido do Fundador do Aikido, dizia para se juntarem ao Doshu, aos que eram simplesmente leais a Sensei, qualquer que fosse a sua decisão, dizia para ajudarem o filho. Foi assim que separou o trigo do joio e o presente Soke ficou com o caminho livre de obstáculos.

Até ao final foi um excelente estratega.

Ao saber que o meu tio em Lisboa tinha sido diagnosticado com cancro, Sensei chamou-me e disse-me: “Volta para Lisboa. A família vem primeiro. Para mim a minha família sempre veio primeiro. Eu esperarei por ti.” Forçou-me a voltar para Lisboa, onde assisti o meu tio diariamente, tal como tinha feito com Sensei em Iwama, até à sua morte.
Com o seu filho, no livro Traditional Aikido

Assim foi Sensei, um exemplo até ao final. Até ao final, a família, que ele gerou, sustentou e protegeu, veio sempre primeiro.

Depois da sua morte, tal como ele pediu, os que sempre o adulavam, juntaram-se ao Aikikai. Os que sempre o ajudaram, sem desejos de reconhecimento, ficaram com o seu filho. Houve um grande mestre Francês que se separou, apesar dos desejos do grande mestre, mas os outros ficaram com Hitohira Sensei até hoje, ajudando a desenvolver e a espalhar o Iwama Ryu por todo o mundo.


Desde os 17 anos até morrer, sempre com O’Sensei, sempre seguindo os seus passos.

Neste dia especial, devemos sempre relembrar o Grande Mestre Morihiro Saito.
Teve uma vida difícil como aluno mais próximo de O’Sensei. Juntamente com a sua extraordinária esposa, Sata Saito asma, passaram tempos muito, muito duros. Mas conseguiram e foram os responsáveis pela propagação do nome da pequena povoação de Iwama por todo o mundo assim como pela preservação do Aikido do Fundador, trabalho que continua sob o seu filho e sucessor Hitohira Saito Soke.

Com sua esposa e dois dos seu filhos.