Aiki Jinja, vista do Shin Dojo - Fevereiro 2012 |
Pois bem…depois de 12 anos de prática acabei também por ir finalmente a Iwama.
Foi sempre de forma “fantástica” que ouvi falar desta famosíssima pequena cidade por ter dado vida ao Aikido. Sempre agradecido ao meu mestre Tristão da Cunha, com o dinheiro metido de parte, malas feitas e “via!”, partimos!
Depois de uma cansativa viagem eis-nos em terras Japonesas. Fascinante, como ficção científica. Luzes, cores e imagens por todo o lado. Aquela chegada era promissora…
Shin Dojo de Morihiro Saito Soke, hoje pertence ao seu sucessor Hitohira Saito Soke |
O dojo que nos alojou foi o Shin Dojo de Hitohira Saito Sensei. O espaço estava dividido em três andares. No rés-do-chão era o espaço comum onde havia duches, casa de banho e cozinha que dantes era o restaurante onde Sensei cozinhava. No primeiro andar estavam os quartos para homens e para mulheres…com a particularidade de terem um tecto baixíssimo, famoso por ser responsável das turras que, pelo menos uma vez por dia, algum uchideshi dava. No último andar era o dojo, onde, apesar de praticamente não ser usado, tivemos interessantíssimos “special Keiko” durante a minha estadia.
Os dojo’s mais usados eram o Tarenkan e o Budokan, onde facilmente chegávamos de bicicleta. Os responsáveis pelo ensino eram: Sensei, e na sua ausência, Waka Sensei (Yasuhiro Sensei) ou o sempai mais graduado e com mais experiência.
Pessoalmente considero a vida de uchideshi em Iwama um verdadeiro “fortalecimento do próprio corpo e da mente”. Cada dia é duro e há surpresas ou novos trabalhos a fazer. O corpo, dia após dia, habitua-se ao ritmo: acordar cedo, limpezas constantes e, no meu caso, um frio tremendo. Durante o inverno, o clima em Iwama é extremamente frio e por várias vezes praticámos a -7 graus dentro do Tarenkan e ainda menos no exterior.
Todas as manhãs, ao acordar, sabias que 60 minutos depois estarias lá fora de Jo e Bokken a praticar com todos na floresta em frente ao Tarenkan. As mãos congeladas e o corpo entorpecido, e por vezes um agradável vento gélido para alegrar a situação. Mas apesar disto tudo, a possibilidade de estar todos os dias seguidos – diria até de forma quase “privada” – com um mestre do calibre de Sensei, faz passar o frio e o sofrimento, e depois de cada Keiko podemos dizer que estamos todos um pouco mais crescidos.
Marko com Sensei e o grupo de uchideshi depois da class mantinal |
Nos treinos, para lá dos uchideshi (estudantes internos), frequentam também os sotodeshi (estudantes externos) entre os quais a família Saito: Okusama Hisako San (mulher de Sensei), os dois filhos Yasuhiro Sensei e Mitsuyoshi San, e rapazes e raparigas japoneses e até alguns estrangeiros que vivem em Iwama ou arredores.
A prática é séria e de ritmo acelerado (bom para se aquecer). As técnicas repetem-se várias vezes a um ritmo constante com fortes Kihai (algo que devo treinar mais). Ninguém fala e ninguém brinca. Os Sempai ajudam os Kohai a executarem as técnicas mais complicadas sobre a constante atenção de Sensei, que nunca descansa o olhar e está sempre pronto a corrigir e a repetir explicando a todos os praticantes uma ou mais vezes.
Pessoalmente acho que é uma prática particular. Eu sou daqueles que se tem de habituar, e no início, devo dizer sinceramente, foi muito duro. Confrontei-me com a força e resistência de alguns praticantes. Obviamente tornou-se difícil executar as técnicas. Tudo isto provocou em mim duas reacções: a primeira é que é uma prática útil para te fazer ver que nunca atingimos o topo, mas que estamos no início do início. Muitas vezes estava nervoso porque me apercebia que não era capaz de mover-me livremente como queria. Eheheheheh, isto quer dizer: treinar mais!!!
Mas com o tempo, como dizia atrás, o corpo habitua-se, os pêlos dos braços são arrancados e as coisas do dia-a-dia vão-se tornando mais fáceis. A isto considero já um grande salto para um novo degrau no Aikido.
Iwama é uma vila lindíssima. Cada dia, para lá dos Keiko, parece sempre ser imersa no Aikido. Uma coisa de que gostei particularmente, para além da companhia dos outros uchideshi, é o sistema toban. O toban é o cozinheiro do dia. É quem se ocupa de cozinhar para todos os outros, o pequeno-almoço, o almoço e o jantar. Neste aspecto devo dizer que fomos sortudos porque comemos bem. Às vezes tornava-se quase uma competição: tentavam-se sempre receitas novas, invenções e misturas estranhas para impressionar os companheiros; para trás e para a frente, do dojo ao supermercado Kasumi para comprar os ingredientes que faltavam às criações. Era muito divertido e muito útil para socializarmos. Diria que nunca tivemos nenhum problema com a comida.
Gostaria de fazer uma grande observação sobre o povo Japonês. Foi uma honra ter sido vosso hóspede porque em todas as situações de embaraço, desorientação ou pedidos de informação, encontrei sempre pessoas extremamente gentis e corteses, prontas a perder tempo do seu dia a fazer o possível para me ajudar, ou a sentir-me bem. Pessoas simples e muito curiosas. Gostaria de fazer um agradecimento a uma personalidade simpática que conheci em Tóquio: Fukuri Mitsuo, um senhor idoso que se ofereceu autonomamente a fazer-nos uma visita guiada nos lugares mais interessantes e significativos daquela zona de Tóquio (Ueno). Com uma grande simpatia, uma estupenda agilidade (76 anos) e um inglês elementar, fez-nos passar um dia esplêndido entre templos e lojas. Diria que é um tipo de personalidade rara de encontrar no ocidente.
Por último, considero que foi uma experiência positiva. Gostei de tantas coisas como não gostei de tantas outras, mas é normal em cada lugar que se visita.
Iwama fez-me olhar para mim mesmo e fez-me ver que tenho de trabalhar mais. Iwama relembra-te que o Aikido não é só técnica mas também espírito e tanto de bom coração.
Com isto pronuncia-se um novo ano rico de novos ensinamentos!
Sayonara a todos!!!!!
Marko
Marko Tomatis em Roma, completamente estourado, depois de um mês como uchideshi em Iwama. |