domingo, 18 de dezembro de 2011

“Porque não pode o mundo do Aikido unir-se?”, por Stanley Pranin, Dez 11 - Comentário sobre este artigo

Comentário ao artigo:
Why can’t the aikido world get together?,” by Stanley Pranin, dec 11,

Por Tristão da Cunha

Este foi um artigo publicado pelo editor do Aikido Journal no dia 11 de Dezembro.
No início do artigo, Sr. Stanley fala de uma era em que os aikidoka de qualquer organização podiam juntar-se sem ser ostracizados. Isto vem a propósito de um pequeno artigo que escreveu em 2001, numa altura em que Morihiro Sensei, o seu filho Hitohira Sensei e os otomo, saíram de Iwama para se encontrar com Koiichi Tohei Sensei. Um encontro que reuniu dois grandes amigos de outrora, passados 30 anos.
O artigo diz: “Penso que posso dizer com segurança que poucos dos líderes de hoje estão focalizados na filosofia e na técnica do Fundador do Aikido, Morihei Ueshiba. A sua principal preocupação é a solidificação/expansão da sua organização e a administração regularizada da mesma.”
Isto pode ser verdade mas, como não sei como é que as outras organizações se governam e não sei como é que os seus dirigentes ensinam e as lideram, é-me muito difícil opinar sobre este assunto. Contudo, posso sim dizer como é que o nosso Soke nos disse que quer a sua organização. Sensei, em 2009 disse em Portugal que as pequenas organizações são as que mantêm mais qualidade dos seus produtos. Fez inclusive a alusão a uma pequena companhia familiar japonesa que produz bolas arremesso de peso com uma perfeição incrível. Estas bolas são utilizadas pelos atletas da mais alta competição. Há uns anos atrás, e porque havia um grande lobby da parte dos grandes produtores de bolas destas na China, as federações deixaram de comprar a esta pequena companhia. As bolas eram mais caras. O que aconteceu foi que os atletas de alta competição exigiram de novo ter bolas da tal companhia e as federações foram obrigadas a continuar a comprar da mesma. Não sei se foi uma alusão alegórica ou se realmente entendi bem. Mas o ponto a que Sensei queria chegar é que ele prefere ter uma organização igual a esta pequena companhia familiar que produza um Aikido correcto e de alta qualidade e, com no seu devido tempo, então, vagarosamente, expandir. Desta forma acredita Sensei é que se poderá manter a qualidade do ensino em termos técnicos e filosóficos.

O artigo também diz: “Os conceitos expostos pelo Fundador na sua forma antiquada, são considerados excêntricos, esotéricos e visionários.” Isto, segundo o editor, é o que os mestres de hoje pensam.
Desde que o conheço, Sensei sempre foi um mestre que se força por estudar a filosofia e a técnica do Fundador, par a par. De tal forma que Sensei e alguns dos seus seguidores são, não raramente, acusados de serem religiosos. O que é afinal estudar a filosofia do Fundador? Sendo que, de acordo com o Fundador, tudo está relacionado com os deuses, naturalmente a sua filosofia esteve sempre relacionada com a religião. É impossível estudar este aspecto sem estudar – e tentar compreender - os conceitos religiosos em que o Fundador acreditava. Isto não significa seguir a religião. Podemos, no fim de contas, estudar teologia sem nos transformarmos em padres. Sensei não só estuda como insiste com os seus alunos incitando-os a estudar, pelo menos, os doka e os kuden de O’Sensei. Isto porque tanto nuns como nos outros está muito presente o seu pensamento tanto técnico como religioso e filosófico.



Fala-se então no juntar das organizações, em unir os diferentes estilos de Aikido etc. A minha opinião é que esta união nunca poderá acontecer pois tanto os aspectos técnicos como os filosóficos e económicos mantêm uma barreira bem firme que impede tal de acontecer. Não podemos esquecer que a primeira grande separação que houve não foi o evento de outros mestres terem deixado o Aikikai mas sim a separação que houve entre o Fundador e a organização Aikikai. (Não podemos esquecer a separação entre entre o Fundador e seu mestre Takeda). É bem conhecido o facto de que quando o Fundador visitava o honbu dojo em Tóquio, os professores e a própria família não o queria lá telefonando então para Iwama a queixar-se das suas interrupções, dos seus gritos e interferências, e a pedir para o irem buscar. Esta divisão começou no próprio núcleo. Agora, poderemos perguntar se isto está mal? Acho que sim. Podemos perguntar mas o que está mal – do meu ponto de vista - não é o facto dos professores do honbu dojo quererem fazer algo diferente do Aikido do Fundador mas sim a forma em como o trataram. O respeito pelos mestres e pelos antepassados é a base da cultura do Budo. No ocidente é igual. Quando esse respeito desaparece o mundo do Budo já não existe. Em Tóquio, segundo eu li, tinham de trata-lo com respeito, mas o facto de estarem a fazer algo totalmente diferente do que ele fez, e o facto de pedirem a Saito Sensei que o fosse buscar demonstra uma grande falta de respeito e inclusive desdém. Quando alguém quer fazer uma coisa diferente, deve ir-se embora e então começar um novo estudo baseado nos princípios que quer seguir. Além disso, deve também renomear a sua arte de forma a distingui-la completamente da anterior. Muitos fizeram isto e foi acertado.



Nós, os alunos de Hitohira Saito Sensei que vivemos fora de Iwama, inclusive no estrangeiro, se queremos aprender o que se está a ensinar em Iwama, temos de ir lá e aprender directamente da fonte. Também temos a opção de convidar o nosso Sensei para vir ensinar ao nosso dojo. Assim era também no tempo de Morihiro Sensei. Porque não faziam isto, os do Aikikai? Porque sempre afastavam o próprio criador da arte? É, penso eu, uma grande falta de educação e respeito. “Budo começa e acaba com a etiqueta (respeito) ”, dizia Saito Sensei. Este comportamento só poderia originar ainda mais separação, logo desde o início.



Sobre as várias organizações.

Ao meu pai uma vez perguntaram quantos filhos tinha e ele respondeu, “Tenho cinco filhos e, graças a Deus são todos diferentes!” Acho que podemos ver o importante que é a diferença e a diversidade através desta afirmação sábia. Mal da raça humana se todos estivéssemos sempre a fazer a mesma coisa. A separação não significa necessariamente conflito mas sim diversidade. Eu pessoalmente não gosto nada de outros estilos de Aikido. Na realidade, nem os considero como Aikido, se tiver em conta que o que faço é realmente, comprovadamente, a arte originária do Fundador. Contudo, tenho de reconhecer que toda esta diversidade é o factor que mais ajudou a expandir esta arte por todo o mundo e que o ensino da mesma tem ajudado milhares de pessoas à volta do planeta. Também, ao estudar os mestres antigos que formaram as suas próprias organizações fico sempre surpreendido por encontrar técnicas e formas de ensinar em muito parecidas à nossa e também por encontrar técnicas antigas que não conhecia mas que estes mestres, obviamente, incluiram no estudo e ensino da sua arte. Ficaram aqui preservadas ao passo que na organização original foram muitas vezes abolidas.



O editor faz depois vários comentários que vocês próprios poderão ler e julgar, mas no geral, a meu ver, demonstra um sentimento azedo em relação às grandes organizações de Aikido e também, claro está, demonstra o seu afastamento/separação – do editor - das mesmas. Uma coisa, contudo, diz certo, “A modelação do futuro do Aikido está nas nossas mãos.” Isto sempre foi assim. Se quisermos aprender qualquer arte que seja, primeiro recebemos a instrução do nosso mestre e depois temos de por mãos à obra pois a incorporação da arte, técnica e filosófica, está nas nossas mãos. Claro que o que o editor quis dizer talvez seja, “utilizem todos os meios disponíveis para obter informação mas não dependam das organizações e dos seus mestres”. Mas isto, realmente soa a mais um tipo de separação. Ou não?



A organização Iwama Shin Shin Aikishurenkai não só preserva os ensinamentos do Fundador e de Morihiro Saito Sensei mas também o seu pensamento, tal como diz Sensei no seu último artigo publicado no site (Slovak Seminar 2011). Preservar as técnicas e estudá-las exige um empenho da nossa parte e mostra-nos um mundo enorme. Mas além disso o estudo do pensamento destes dois grandes mestres leva-nos ainda mais longe, expandindo o nosso estudo para novos horizontes.



O facto de haver divergências no mundo do Aikido não é algo novo. Divergências originam diversidade. Esta diversidade é o que faz com que todos sejamos diferentes e interessantes. É na realidade esta diferença e interesse o que faz com que os seres humanos se procurem e se estudem. Todo este estudo e esta procura leva, também, a uma maior aproximação. Esta aproximação sem a mútua destruição de valores e crenças é saudável e dá nascimento à amizade e a possibilidades de um crescimento recíproco e contínuo.


Incito a todos os aikidoka a continuarem a ler o Aikido journal pois têm muita informação útil. A pesquisa profunda faz parte do estudo da nossa arte. Devemos recorrer a todos os meios possíveis para poder aprofundar mais este fantástico mundo do Aikido. O AJ é uma fonte outra serão os poucos mestres que ainda restam e que foram alunos directos do Fundador, outra ainda é a amizade que deveriamos desenvolver com os habitantes de Iwama que também conheceram o Fundador. Claro está, sem manter um contacto estreito e familiar - mas com o devido respeito que deve sempre existir - com Saito Sensei, nunca poderemos obter informações de alguém que nasceu, cresceu no berço do Aikido e que privou durante largos anos tanto com Morihei Ueshiba O'Sensei como com Morihiro Saito Sensei.